Em alguma manhã

Eu gosto de como a luz do sol invade minha casa no verão. 

Eu conheço a luz de todas as manhãs, de cada estação. Durante anos eu observei. Eu me lembro do cheiro de cada aurora. Eu lembro de cada dia que esperei amanhecer pra começar a adormecer.

Mas tenho essas outras lembranças. Elas nem parecem minhas. 
Na realidade eu estou vivendo uma vida que não parece minha. E me dói deixar o passado, mesmo que me lembre dele como se tudo não passasse de uma grande invenção. São lembranças incríveis, dolorosas, impossíveis. Como daquela vez em que eu posso jurar que voei além de tudo o que existida. Ou aquela outra em que eu deixei de existir e vaguei por um buraco negro cheio de escuridão. E teve também aquela vez em que fui feliz.

Tudo isso foi real? Eu sou real? Eu realmente existo e sinto e choro e sorrio? 
Todas as palavras que eu li escrevi redigi foram por esses olhos que eu vivi? 
Foram essas mãos que tocaram aquelas mãos?
Foi esse aquele coração?

Creio que não. Eu estou completamente distante do que eu fui, de quem eu já vi em mim. 
Eu não sei em que ponto tudo mudou, mas só porque não me lembro não significa que não aconteceu. Tudo mudou. E mudou de novo. E agora eu apenas não sei como as coisas estão. 
Eu apenas não sei se todas as memórias que eu perdi foram em vão.
Nem quero elas de volta, só sinto que perdi algo importante aqui, no meio dessas palavras. 
Em algum momento eu me perdi de mim.

Ana Marques

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