Querido Nicolas

Foi tão engraçado assistir sua reação ao ler a outra carta. Eu aposto que você nem se lembrava da sua bike de moleque, mas eu me lembro, me lembro de tudo. Eu tenho me sentido muito nostálgica esses dias. Acho que toda essa situação desperta isso de forma mais intensa. Tenho pensado muito no início da nossa amizade.

Você se lembra quando eu te levei para o meu LUGAR FAVORITO DO UNIVERSO? Você sempre passava por aquela rua e nunca havia reparado na pequena livraria com portas de vidro. Poucas pessoas reparam na verdade, por isso me surpreende que os donos ainda a mantenham aberta. Fico feliz de qualquer maneira, há anos aquele lugar com cheiro de história é o meu refúgio.

De qualquer maneira eu me lembro da sua expressão ao andar pelo labirinto literário. Eu apenas te observei enquanto você descobria parte do meu mundo. Eu olhei quando você passou a mão pelos seus cabelos escuros e, logo depois, limpou seus óculos adoráveis de estrutura azul marinho. Eu vi quando você olhou com seus olhos castanhos, claros demais, em minha direção pedindo uma explicação. “Como encontrou esse lugar?” você perguntou. Eu respondi que era um segredo. Acho que finalmente posso te contar...

Aquela livraria é um segredo que compartilho com minha mãe. Desde que me lembro, ela me conta histórias fantásticas. Em alguns dias ela me dizia que eu era uma princesa em outro universo, onde eu alimentava um amor proibido por um garoto destinado a dar a própria vida pela minha. Em outros dias ela dizia que em outro mundo eu era uma garota tímida e talentosa que independente de qualquer tristeza sempre fazia o que era certo. A minha mãe sempre acreditou que eu era uma heroína, nesse mundo e em qualquer outro que habita na imaginação.

Um dia eu comecei a questionar aquelas histórias. Eu as amava, mas, de fato, não me sentia como uma protagonista de um romance épico. Ela então me disse que tudo era possível, que as palavras eram poderosas e que eu apenas precisava ter fé, fé em mim mesma.

Então nós andamos pela cidade e encontramos a velha livraria. Ali passou então a ser o lugar onde eu me via em histórias fantásticas. Eu me tornei, através dos livros, princesa, fada, vilã. Ainda hoje minha mãe e eu compartilhamos essas histórias fantásticas, em segredo, como se aquelas portas de vidro fosse um portal para outros mundos.

E são, por isso eu te levei lá. Por isso fico imensamente feliz por você ter voltado sempre, porque agora você também faz parte desse segredo. Você também se tornou protagonista daquelas histórias. E sim, tudo isso é um pouco insano, mas você sabe, sempre soube que eu era o tipo de pessoa que busca na ficção um consolo para qualquer problema da realidade.

Com amor, Hannah.


Ana Marques

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