Franqueza redundante

Sou uma boa pessoa. Sempre fui, seguindo as regras e mandamentos. Sim senhor, sim senhora, perdão pelo incomodo. 

A regra principal é guardar a verdade. Sorria e ponha fim na angústia. Não se esqueça de olhar as pessoas nos olhos, mesmo que isso não signifique nada, mesmo que isso faça o seu pescoço pender por ouvir tantas bobagens. E faça isso, conte bobagens, tagarele sobre trivialidades, porque, no fim, ninguém se importa com o que você realmente precisa falar.

Mas hoje eu quero escrever a verdade. Me desnudar e escrever o que me impede de ter coragem. Talvez eu conte como uma fábula, e tudo no fim se torne mais uma ficção, mas quero deixar claro que não é essa a intenção. Eu não estou para contos hoje.

Eu me sinto tão cheia desse sentimento comum que é a incapacidade. Incapacidade que me limita, que me aprisiona. Eu me lembro de falar sobre assuntos importantes, tomar banhos de chuva, acreditar que eu nunca ficaria sozinha. Mas sempre existia esse sentimento que me limitava, sempre. 

Acho que ninguém está bem. Eu acredito que todos estamos tão irrevogavelmente doentes que não conseguimos nem ter esperanças de uma cura. Essa é a minha doença, minha limitação e eu não estou buscando por uma cura, só lamento, como todos os outros.

Por muito tempo eu temi ser como a maioria. Mas a vida inteira eu fui transparente, uma garota de vidro que sumia mesmo sem querer. Onde está o brilho, a beleza, a doçura? Talvez nos meus olhos, na minhas mãos, mas não no meu coração. Eu não acredito possuir nenhuma qualidade redentora.

Eu gostaria de despejar um pouco mais de sinceridade. Retornar a infância. Falar sobre como eu tenho confiança, mas não autoestima. Falar que na verdade eu queria me abandonar, como todo o resto. Mas já chega por hora. Eu só estou com muita raiva por ser tão triste por motivos tão triviais. Mas é isso que me distraí da apatia, da morte, da miséria, minha raiva me distraí. 

Ana Marques

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