Ele também sonha que está caindo, mas nunca sozinho

 



Sonhava sempre que tentava alcançá-la antes da queda, sem sucesso. A cada noite o chão parecia mais próximo, as mãos escorregadias incapacitadas de segurar com firmeza. Não importava o seu nome, o porquê da queda, a velocidade, o ponto é que eles continuavam caindo pela inconsciência.

Falou com muita gente sobre significados do subconsciente, mas para ele o único sentido daquilo foi definir como um fracasso diário. A vida era um caos sufocante, e no momento de descanso, ele não poderia salvá-la, não poderia se salvar. Aquilo era sua eternidade, seu ciclo vicioso, o limiar entre o pensar em ser e o não controle do que não se é.

Na eternidade seguinte, ele finalmente decidiu respirar. E uma respiração depois, ele se deixou levar. O chão tão próximo, o cheiro do cabelo dela parecia real, uma respiração seria o fim? A eternidade acaba quando finalmente despertam os pulmões?

Durante noites incontáveis, sua realidade estava suspensa pelo peso dessas impressões. Mas, finalmente, ele entendeu que naquela realidade ele não era a salvação. Ele se deixou cair.

E finalmente, enfim, ele conseguiu ver o rosto dela. Depois de tanto tempo, ela conseguiu alcançá-lo, uma fez que já não existia uma força oposta dificultado esse resultado. E ela estava sorrindo.

E então eles não estavam caindo. O chão nunca chegou porque aquele era o início de um voo, não sem turbulências, mas longe de ser um caminho sem fim à tragédia.

E de pesadelo eterno, ele encontrou um sonho duradouro. Agora ele podia vê-la sorrindo, enquanto as nuvens oníricas coloriam a paisagem. Ele nunca saberia seu nome, mas sua companheira fantástica o ensinou que a distância entre cair e voar é uma questão de ângulo.



Ana Marques

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