Infeliz a minha maneira

Já faz um tempo que sei que preciso escrever sobre isso. Acredito que todas as histórias precisam ser contadas, inclusive as tristes. Mas, nunca contei isso a ninguém. Não é um segredo, só não é um assuntou muito amistoso. E sendo sincera, eu sempre quis proteger a imagem que as pessoas possuem daqueles que eu amo. Mas, eu preciso falar sobre isso. Preciso escrever. 

Aprendi que o amor é algo completamente altruísta. Creio que as pessoas comuns não entendem a extensão dessa sentença. Amar é não desistir. E não existe razão dentro disso. Amar é abrir mão de si mesmo e aceitar as mazelas do próximo. 

Amar é perdoar seu pai alcoólatra, porque ninguém escolhe ficar doente. Porque um comportamento, aprendido e ensinado como um alívio para uma ferida mais profunda, não pode ser severamente condenado. Amar é saber que se ele tivesse forças mudaria o passado. Amar é saber que mesmo se ele ainda perdesse os sentidos em bares deploráveis, ele ainda te amaria. Ele ainda seria seu pai que te ensinou a desenhar e que sempre, sempre te ouviu como se tudo que você falasse fosse de uma sabedoria ímpar. 

Amar é perdoar sua irmã que se apaixonou por um traficante aos dezesseis. É amar a menina que ela teve naquele mesmo ano, e que hoje é uma fonte inesgotável de alegria. Amar é perdoar todas as vezes que ela fez sua mãe chorar. É deixar de lado todas as lembranças dos ossos proeminentes e das fugas inesperadas. Amar é proteger as outras três crianças que vieram depois. Amar é não aprovar o comportamento destrutivo que parece não ter fim. Amar é se afastar, mas deixar que ela saiba que você vai estar sempre lá para perdoar de novo, de novo e mais uma vez.

Amar é entender todas as horas que sua mãe trabalha além da própria força. Amar é ser grata e saber que, sem ela, talvez a morte, a depressão, o desespero, já teriam te alcançado. Amar é não se ressentir por ela ter criado tantas crianças de pais ricos e não ter tido condições de te ajudar na lição de casa. Amar é saber que ela fez tudo por todos. Amar é saber que sem ela a família não existiria.

Amar é não condenar o próximo pela ignorância. É agradecer pelo bolsa família que já te ajudou no passado e defender a transformação social hoje. Amar é encontrar os filhos de ricos criados por mães empregadas e ter paciência para explicar como o mundo realmente é. 

Ele é faminto amigo. Ele é doente. Ele é assustador. As dores que você sente de barriga cheia são piores nas casas afastadas que estão no escuro. Amar é ter esperança de que a pobreza vai deixar de ser invisível. Amar é sempre, sempre lembrar do lugar de onde partiu. Amar é lutar para que as coisas mudem. Para pais, mães, irmãs e crianças que ainda não sabem de nada do mundo, mas que conhecem demais sobre a dor. 

Eu tenho um final feliz para contar. Se você me conhece já sabe disso. Mas, eu imploro: veja! Enxergue as pessoas invisíveis. Faça o bem em nome de Deus, Maomé ou do Lula. Qualquer um, eu não me importo. Eu só preciso que você faça alguma coisa em relação aos nossos tormentos. Ninguém liga, mas eu preciso que você seja diferente. Eu preciso do fundo do meu coração que o álcool, as drogas e o trabalho excessivo pare de matar os pequeninos desta nação.

Por favor! Faça por mim, por você e pela sua família. Porque eu sei que existe uma chance gigantesca da sua história ser parecida com a minha. 

Ana Marques

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