Minhas Linhas

Quando eu era criança todas as manhãs eu assistia vários desenhos. Sempre havia um personagem de olhos grandes para salvar o dia. Mas quando chegava a noite eu não entendia porque eu também não podia salvar o mundo. Deve ser porque eu não tenho olhos grandes.

Eu tenho um amigo que, quando criança, não entendia como a gente não se misturava com o mundo de cores. Ele também assistia desenhos pela manhã. Pela tarde ele não compreendia, como as pessoas se mantinham inteirinhas, sem as linhas pretas que contornavam os personagens animados. 

Eu agora olho para as minhas mãos e observo as linhas. Elas parecem se multiplicar com o tempo. Elas vem subindo pelos meus braços, pelo meu rosto, marcando cada dia, de cada ano. Mas elas não impedem que eu escorra pelo mundo. 

Essas linhas não são como as dos desenhos. Elas deixam as minhas lágrimas caírem. Elas deixam o meu sangue jorrar. E as vezes nem meu coração elas são capazes de segurar.

Um dia talvez eu entenda porque Deus não me desenhou com uma proteção. Uma proteção que guardasse meus olhos, de olhar para as suas mãos. 
Que protegesse toda a minha pele, de desejar essas mãos.

Talvez Ele soubesse que eu não me contentaria com tão poucas cores. Talvez Ele soubesse que essa cara branca não alcançaria seu olhar. Talvez Ele soubesse que eu amaria com o mundo me misturar.

Eu sinto falta de acordar pela manhã e assistir o mundo sendo salvo. Eu sinto falta de acreditar que ele pode ser salvo. Eu sinto falta de sentir toda a humanidade nos meus traços. De ficar feliz em fazer parte, de um quadro tão grande. Uma mistura de cores em tons de esperança. 

Será que tudo mudaria se redesenhássemos essas linhas?

Ana Marques

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