Mesmo que meus textos deponham contra mim

Eu sempre tenho textos guardados, não verbalizados, escondidos pela capa da insegurança.
E se eu não for boa, santa, curada, feliz, competente, responsável, bela o bastante?
E se alguém notar que eu não sou o bastante?
E se um dia meus textos deporem contra mim no tribunal humano no qual minha consciência é a advogada de defesa? Ela não me condena pelo que o outro vê. Ela tem suas próprias métricas.

Mas, se eu deixo de escrever por medo, tudo perde o sentido essencial. Porque se eu quero viver pela verdade, como posso mentir? Eu realmente não sou o bastante, mas a cada dia me coloco no meu lugar e tento ser melhor. Não melhor exteriormente, mas naquelas partes nas quais a minha advogada interior mais repara. Não mentir, não roubar, não jogar lixo no chão, não gritar. Abrir mão da minha vida confortável, conveniente, previsível para de fato fazer algum sentido. Quando olho bem de perto, não é de fato abrir mão. A vida que eu levo parece a fuga do meu propósito.

Quando me perguntarem o que eu realmente quero, para onde quero, eu não sei de fato. Mas, a cada dia a certeza de que meu papel não é aqui fica mais evidente. Minhas mãos trabalham, mas eu não colho frutos. Não posso continuar de mãos vazias.

Sim, eu sou muito dura comigo mesma. Sim, eu sei que tenho testemunhas de defesa que podem ficar ao meu lado. Mas, não é o bastante. Me resumir a apenas isso é matar as palavras, as promessas, os sonhos, as descobertas. E eu não posso virar as costas para quem me trouxe até aqui. Ele é o único que de fato faz alguma diferença no julgamento.

A sentença? Culpada, mas no banco de réu existe outro sentado no meu lugar. Só preciso achar um meio de parar de decepcioná-lo a cada momento que escolho uma vida prisioneira de mim mesma, negando que a liberdade é me entregar. 

Eu me entrego. Estou com medo e me entrego.

Ana Marques

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