Querido presidente

Não me importo com o tamanho do seu salário. Não ligo se você se chama João, Maria ou Carlos. O que realmente importa é você fazer a sua parte. Veja bem, eu faço a minha. Tomo cuidado com o que digo ou faço. Atravesso na faixa de pedestres (quando disponível), não jogo lixo no chão, promovo grupos de caronas para diminuir o impacto que minhas viagens constantes provocam na bendita camada de ozônio. Trabalho quarenta horas semanais para ganhar um salário que já saí do caixa eletrônico com destino: aluguel, condomínio, internet, impostos. Eu sou uma boa pessoa.

Mas, o senhor não me ajuda! Eu não peço muito, só quero que você me represente. Eu quero que você pare de se comportar como alguém que não enxerga as necessidades de quem te dá o poder. E entenda: a corrupção pode ter te levado longe, mas ela também te custa muito caro. Seja inteligente, use seu potencial de (segundo o padrão corrente, com a única exceção) homem branco privilegiado, enxergue que uma hora o mundo dá uma volta que te leva pro buraco.

A justiça divina é nossa única esperança. Brasileiro acredita e sempre alcança e, vale-me Deus! Um dia eu vejo essa elite insensível pagando o que me deve, desde que renderam minha bisa índia dizendo o que fazer ou quem ser. Roubaram terra, roubaram o conceito de SER HUMANO, deturbaram a cultura e as crenças. Colocaram meu sangue em uma posição de inferioridade. Pai mulato, pedreiro, trabalhador que nem cinto de segurança tem quando vai construir os prédios para os brancos. Mãe branca, loira, criada por si mesma, com o jeitinho brasileiro sobrevivia mesmo quando não tinha comida, empregada doméstica, mas com duas filhas com nível superior. Amém!

A fome não está longe. Ela não me pegou por uma geração, mas caro líder desta nação, ela ainda está nas casas vizinhas. Ainda vejo, pelo meu bairro, crianças se tornarem mães. Ainda vejo amigos morrendo por causa de coincidências: de estar no lugar errado, de viver no lugar errado, de ser do bairro com casas financiadas pelo governo.

E que governo! Eu lembro de falarem para minha mãe que iam colocar a gente na rua. Mas, como isso pode ser certo? Como pode fazer sentido? A gente nunca precisou de esmola, mas presidente, a gente precisava de uma chance, uma oportunidade, um teto qualquer enquanto a vida ainda era difícil demais, trabalhosa demais.

Você já teve dois empregos, cada um pagando meio salário mínimo? Você já precisou acordar de madrugada para pegar o transporte? Já teve que deixar suas crianças na creche para ir "panhar café"? Suas mãos são calejadas, sua pele queimada, seus ombros doem sempre (parecendo que vão doer para sempre)? Senhor presidente, o Brasil é lindo, com um povo que nunca desiste, mas faça a sua parte. A gente não quer esmola, a gente quer justiça. A gente precisa ser ouvido. A gente quer trabalhar (porque amamos e não sabemos viver de outra forma) horas dignas. A gente quer um tempinho para almoçar, nada exagerado, só o essencial para recuperar a forças e continuar "pegando no pesado". A gente quer chegar no fim da vida e ter casa, filhos com uma vida melhor do que a nossa, com a possibilidade de finalmente descansar e cuidar da saúde. Talvez você não saiba, mas o nosso luxo é olhar para o futuro e acreditar que vai ser melhor. Logo ali, daqui dez anos, a vida vai ser melhor. Mas, você precisa fazer sua parte. Porque o que o jornal está falando desde que surgiu a TV é que ninguém se importa. Mas, você deveria se importar.

Apenas, faça o seu trabalho.
Nós estamos fazendo o nosso, sem parar, sem descansar. 

Ana Marques

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