Senti a minha falta

 

Eu cheguei a um ponto de confusão tão grande que nem lembrava do meu nome. Quer dizer, eu respondia quando me chamavam, mas aquela queda, aquele isolamento, aquele soco bem no meio da cara, me desfigurou de uma forma que eu deixei de ser.

A gente se anula e anula, eu tenho essa mania. Tento ficar mais pequena para sumir na paisagem. Tento não fazer barulho para não incomodar. E eu sumi para deixar os invasores confortáveis, não tinha mais espaço para mim dentro do meu próprio coração.

Passei a viver como se a felicidade sempre viesse em gotas. Como se a esperança fosse tão escassa que eu não poderia encontrar dirigindo o carro, caminhando dois quarteirões para o trabalho, cheirando aquele livro tirado da caixa, segurando aquela mão querida, ouvindo aquela voz desejada.

Eu ainda não estou bem. Eu nunca vou ficar bem. Mas é sempre melhor, e depois pior e melhor. Esses dias olhei no espelho e me reconheci. Não tem mais uma dor incessante na minha face. Meus olhos não estão mais turvados pela indignidade da traição. Eu já posso me perdoar por ter desistido. Eu já posso voltar a desistir. Eu consigo dizer eu outra vez, eu me importo. Eu ainda tenho uma ternura por esse jeitinho particular de sofrer e sobreviver que descobri.

E durante todo esse tempo, fiquei anestesiada, indiferente. Só entendi que estava sentindo a minha falta quando comecei a me recuperar. Ainda tenho um longo caminho, eu ainda tenho que achar um caminho para voltar a sonhar. Talvez eu nunca encontre, mas agora pelo menos eu quero tentar. 

E está tudo bem, eu juro. A ansiedade quase nem me sufoca, eu faço as minhas refeições com horário e tudo, durmo oito horas e acordo antes do sol. Andando pela casa escura, eu até parei de chorar, eu agora coloco uma musiquinha e danço para mim mesma. E mesmo que eu chore, talvez eu até consiga voltar a escrever. Ainda estou viva, em um eterno luto, mas viva para restabelecer quem eu era, quem eu sou, quem eu quero ser.

Espero só não mais me esquecer ou me perder. Seria mais fácil alguém despertar a minha memória uma vez ou outra, mas fiquei só nesta jornada. Foi isso que pesou o fardo, mas eu consigo carregar. Vamos continuar. Não tem outro jeito, só continuando, um dia eu chego lá.


Ana Marques

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