Mal súbito

Subitamente me deparei com mais uma página em branco. Meses de silêncio e ainda não havia nenhum argumento que quebrasse a barreira com alguma espécie de som. O inverno frio segurava meus pés, não tinha nenhuma xicara de chá para me esquentar as mãos, o leite tinha sido cortado por questões de saúde. E a página em branco me encarava, zombava da minha escassez de palavras. Não tinha nada para beber no frio, não tinha nada para aquecer minha inspiração.

Quantos "esse não é bom o bastante, mas quem sabe o próximo" eu já somava? Naquela altura, o bastante para deixar para lá. Já era tempo de desistir do próximo, nunca seria bom o bastante, essa era a verdade fria que ninguém queria contar.

Claro que o fracasso não era um mal surpreendente, nem mesmo intimidante, era apenas um estado comum das coisas, o modus operandi. O que embrulhava o estômago era a esperança.

O que travava o fluxo de pensamento era a alegria tão alienígena, tão estrangeira por dentro. Não tinha lugar em mim para aquela fé súbita de que algo de bom viria a seguir. Não algo bom o bastante partindo de mim, mas algo suficiente que não se relacionava com fracassos ou conquistas. Amor. 

Amor que permanece mesmo depois da desolação da derrota. Amor que aliena e aproxima. Que explana paradoxos. Que torna quem sempre perdeu, ganhador incontestável.

Um mal súbito de amor. Foi esse o ponto final, o diagnóstico no obituário da minha literatura. Escrever para fracassar já não era possível, porém, escrever por se amar era impensável. Então, escrever pelo meio termo. Escrever pelo fracasso do amor. Nada que me aqueceria no frio, mas, ao menos, preencheria o vazio que me atormentava.

E agora? Agora componho uma ode ao meu fracassado coração. Amar nunca foi bom o suficiente, mas, quem sabe, no próximo?

Ana Marques

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