Hoje é um

De um a dez, qual é seu nível de satisfação hoje? Alguém me perguntou mais cedo. Eu respondi que o dia estava parecendo um seis. Ouvindo Loser e trincando os dentes, é difícil olhar ao redor com objetividade.

Eu já quis desaparecer. Já senti desespero em meio a multidão, como se o mar de desconhecidos pudesse me engolir. As minhas palavras geralmente são sobre solidão e morte. Sempre que sinto que alguém pode ultrapassar essa barreira de apatia e medo, me afasto. Como se eu gostasse da escuridão. Como se eu estivesse correndo para uma colisão por querer.

Eu não quero. Pelo menos quero não querer. Faz sentido? Eu não sei.

Acho que é comum pensar que o mundo seria melhor sem a nossa interferência. Não é como se esse não fosse um pensamento comum na adolescência. Mas, eu já passei essa fase. Eu já estou vivendo a tão prometida vida madura. Mas não vejo as cores. Não consigo perceber a luz entrando pela janela ao crepúsculo. Não consigo sentir o cheiro de verão com as chuvas no fim da tarde. Eu envelheci, mas meu corpo ainda parece ser feito de vidro. Meus olhos atravessam as coisas como se elas não existissem. Como se eu não existisse.

E eu existo? Ou ainda, eu estou viva? Porque eu sei que isso é real. Minha percepção ainda está ativa. Consigo sentir a mesa que apóia meus braços. Sinto o chão por baixo dos meus pés. Mas, isso é prova suficiente? Eu ter consciência da minha existência é o bastante para que minha condição seja de ser "respirante".

Daqui para frente, quem sabe, dentro de cinquenta ou sessenta anos, o plano é continuar a rotina. Mas, e quando o tempo se esgotar? O que poderá ser uma prova de que já estive aqui? Este texto? Não. Essas são só umas poucas palavras que serão perdidas no mar de informações inconstantes.

Mas, e daí?! Sempre estamos falando sobre o fim do mundo. Nos jornais, nas redes, nas rodinhas durante os intervalos do dia. "O fim está próximo." E talvez esteja mesmo. Terrorismo, descaso, violência, aquecimento global. Talvez o mundo acabe antes do meu prazo de validade. E no fim quem no universo se lembraria do William, da Clarice ou da Ana?

A resposta é ninguém. Ninguém se importa. Ninguém se lembrará. Ninguém sobreviverá.

Ana Marques

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